Apertamos todos dentro do pequeno Volkswagen que em ruidosos solavancos foi saindo do estacionamento do Mercado Municipal, um silêncio reinava no carro assim como os olhares, que visivelmente tentavam esconder o assunto de mim. Ao chegarmos em casa minha mãe recitou carinhosamente um frase conhecida a mim. - Vá arrumar sua caixa de brinquedos que já o chamo para o jantar.

Sem menção em dizer ou protestar fui caminhando para fora do campo de visão dos dois, cheguei ao meu quarto quase escorregando em um monte de pequenos bonecos dos Comandos em Acção, fui recolhendo desmazeladamente para dentro de uma enorme caixa de papelão onde residia com dignidade duvidosa meus brinquedos. Confesso que nunca fui uma pessoa muito cuidadosa por isso era constante os pedidos de "arrume esse quarto" e "recolha suas coisas" sempre indagados por minha mãe. Dona Irina era uma mulher de uma classe indiscutível, dificilmente errava no seu fino vocabulário e deixava sempre claro sua Magistratura como professora, conversava muito bem e era o extremo contrário de meu pai, meu pai sempre foi um homem de acção enquanto Dona Irina sempre mais raciocínio. Já a vi desmanchar argumentos complexos com sorrisos porem sair do sério com coisa mínimas, mas sempre achei haver mais de minha mãe em mim do que meu pai, mesmo com as repetidas frases de: "- Você e esse seu gênio estourado igualzinho seu pai", mas nunca encherguei isso como afronta por verdade sentia orgulhoso de parecer com ele.
Com sonoros ruídos de plásticos sendo apertados terminei a arrumação, parti direto para sala para ver os programas do sábado de manhã, as musiquinha ritmada de Bambalalão começava com logos traços coloridos. Sentei de frente a TV, que nesta época era grande companheira de um menino que morava no centro da cidade, adorava brincar com o autorama também porem era divertido na companhia de meu pai, como raramente tinha tempo de sentarmos e montarmos a pista agarrava-me a um carrinho preto do Ayrton Senna e mais usava a imaginação do que as complicadas curvas da pista montada para brincar. A Sorridente apresentadora terminava uma histórinha com a frase já famosa "Nossa história de hoje entrou por uma porta e saiu pela outra e quem souber que conte outra".
Ser sozinho sempre foi motivo para atentar a um mundo só meu para brincar, não tinha muitos amigos, mesmo na escola sempre fui grandão para minha idade e isso afastava muito as pessoas de mim. Porem eu nuca liguei muito para isso, vivia em mundo meu onde eu imaginava tudo muitas vezes tive de brincar por horas sozinho isso era o bastante para histórias com os bonecos e histórias inventas por mim dos meus desenhos animados preferidos isso sempre foi divertido, no fundo sentia-me só porem me adaptei a isso principalmente nas tardes de sábado que era o dia de limpeza no grande sobrado isso me limitava ao meu quarto, passei o dia deitado nos tacos cheirando a enceradeira e ao lado do minha caixa de brinquedos.
Já estava entardecendo quando sai e vi meus pais sentados frente a TV atenciosos ao noticiário, virei sentido o enorme hall de frente da casa e sentei-me na beirada da grade que iria a rua e fiquei ali com uma pequena nave que mais fazia barulho do que tinha alguma função ou movimento mas adorava meus pequenos bonecos de Guerra nas Estrelas por verdade não havia entendido muito do filme mas gostava muito da nave que irritava profundamente minha mãe. Fiquei ali muito tempo e vi algo passar por mim, mas nem dei muita atenção os pombos sempre desciam por ali em busca de frutos a pequena árvore que havia frente ao portão, mas fui absorvido por um sentimento enorme de frio e de solidão, quando grudei minhas mão na grade e não tive coragem de virar nem de correr como se eu não tivesse motivação para tomar atitude alguma, passará a tarde toda sozinho, esse sentimento era como uma voz dizendo para mim, -Você esta sempre sozinho, será por que ninguém gosta de ficar com um menino que só sabe pensar em si.
Era uma das poucas vezes que havia me perguntado porque eu só tinha minha caixa de brinquedos, por que sempre eram com os bonecos que me faziam compania. Porque sempre que meu pai voltava de uma viajem e não dava-me muita atenção queria que ele entrasse e nunca mais voltasse na próxima viajem. Sabia que era errado pensar assim mais muitas vezes era como uma ira presa dentro de mim, mas eu falava que melhor pouco tempo do que nem um.
Levantei aquele lugar estava me assustando e nunca gostei muito do entardecer ele sempre me trazia pensamentos ruins detestava ver o por do sol, assim fui saindo da grade e voltando para casa, de volta ao minha caixa de brinquedos. Quando estava passando pela sala minha mãe levantou-se do sofá e disse para nós dois como se tivesse olhos nas costas para me ver entrar do lado oposto onde ela estava. -Vou por o jantar para nós esta bem, e Tico eu fiz sopa de ervilhas e comprei pãezinos para nós eu sei que você adora minha sopa vamos jantar amanhã temos de ir até cemitério para encontrar com o Vô a Vó eles vão para lá todo domingo de manhã quero encontrar com eles para almoçarmos juntos esta bem.
Meu pai nunca foi um homem muito de dizer o que sente mas eu fui surpreendido por um olhar e um vem cá, ele bateu no colo e achava isso horrível afinal já era bem grande para sentar no colo, mas não iria desperdiçar a chance de estar junto com ele. Muitas vezes senti-me bem na vida de verdade mas sentado ali era a atenção que poucas vezes tinha dele e rapidamente, tudo que tinha pensado sentado na grade da frente foi indo embora e ele não disse nada somente me abraçou e vi ele quase me sufocar em um abraço, e depois encostou a face em meu rosto e senti alguma coisa molhada entre minha bochecha e a dele. Era a visão mais estranha e mais assustadora que tive em minha vida meu pai estava chorando abraçado a mim, já havia imaginado várias coisas vindas dele agora lagrimas assim sem mais nem menos e ele colocou-me frente a frente e disse -Isso aqui fica entre nos dois. Esta bem? Não tive tempo de muitas reacções somente concordei com a cabeça. -Homens não choram, mas como eu confio em você vou deixar você com esse segredo, Homens tem vontade de chorar, mas seguram até encontrar um amigo, e chorar junto para somente esse amigo saber das fraquezas do outro. Você é meu amigo né? novamente concordei. -Bem então fica este segredo entre nós dois, segredo de homens. Não é amigão? Eu disse que sim e ele me desceu fomos juntos até o lavabo do banheiro próximo a sala e ele lavou o rosto e de mão dadas fomos até a sala de jantar.
A mesa estava colocada com uma longa toalha de mesa branca com pontas de crochê e minha mãe terminava de colocar os pratos fundos de sopa na mesa e o suporte de panela. O caldeirão ainda fervilhava com uma longa e uma fina fumaça que saia como se em uma dança por sobre a sopa. Sentei e bem ao meu lado havia uma cesta de torradas, por um minuto estávamos diferentes éramos nós uma família ali, minha mãe sorrindo vendo eu colocar sopa por cima das toradas, meu pai também me olhava e sorria mais discretamente. Foi uma das ultimas vezes que sorrimos uns para os outros sem haver quase nem um motivo.
